quinta-feira, 30 de junho de 2011

DOUTOR RISADINHA APRESENTA O RISO NA IDADE MÉDIA

Olá Turminha, tudo bem? Compartilho hoje com vocês uma interessante entrevista postada em 27/06/2011 pela Márcia Junges no endereço http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3962&secao=367 realizada com o historiador José Rivair Macedo sob o tema "A Idade Média e o riso sob um prisma moral". Achei muito legal e recomendo sua leitura:

Considerado demoníaco, o riso no medievo possuía traços ameaçadores, perigosos e tentadores, além de satânicos, argumenta o historiador José Rivair Macedo. Renunciar aos prazeres mundanos era a exortação dada através do argumento de que Jesus Cristo jamais havia rido

De acordo com o historiador José Rivair Macedo, “fora da esfera da Igreja, as manifestações do riso sempre estiveram presentes, nas festas, nos textos cômicos, composições musicais e imagens da cultura laica”. A análise faz parte da entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, refletindo o riso na Idade Média. “A ideia de Cristo jamais riu, defendida por certos pensadores cristãos do início da Idade Média, como João Crisóstomo, no século V, e Jonas de Orléans, no século IX, tinha a finalidade mostrar que a renúncia aos prazeres mundanos era uma necessidade”. E complementa: “No período medieval, o fenômeno da risibilidade era encarado sob prisma eminentemente moral, de onde sua condenação”. Já a “modernidade consagrou a liberdade do riso, conferindo-lhe legitimidade como forma de expressão das emoções e dos sentimentos humanos”.

Confira a entrevista:

IHU On-Line - Poderia contextualizar como o riso era compreendido na Idade Média?

José Rivair Macedo - Estudos realizados por pesquisadores como Mikhail Bakhtin, Georges Minois e Jacques Le Goff demonstram que, ao contrário do que se costuma pensar, a cultura cristã latina do período medieval não foi atravessada pela ideia da culpa, pecado e arrependimento, como sugerem os textos dos representantes da cultura clerical, que era majoritariamente eclesiástica. Fora da esfera da Igreja, as manifestações do riso sempre estiveram presentes, nas festas, nos textos cômicos , composições musicais e imagens da cultura laica.

IHU On-Line - Normalmente esse período é tido como lúgubre e religiosamente sério. Quais são as manifestações do riso dessa época? O que o riso naquele período ocultava e revelava?

José Rivair Macedo - Seria estranho pensar que a sociedade medieval, cujas formas de comunicação e de sociabilidade foram marcadas essencialmente pelo gesto, pela palavra e pela imagem, não tivesse reservado algum espaço às formas de expressão do risível. Os estudiosos conhecem bem as manifestações populares urbanas dos séculos XIII-XV denominadas “festas dos loucos”, onde o riso, a comilança, a bebedeira e o escárnio tinham livre curso. Origem do carnaval moderno, as “festas dos loucos” antecediam a quaresma e a Semana Santa, períodos de contrição e de resignação espiritual, e a liberação do riso e dos excessos constituíam um contraponto ao rigor moral imposto pelas normas cristãs.

De outro lado, a partir do século XII, integrantes da Igreja envolvidos com a pregação e com a educação perceberam o potencial educativo do riso, utilizando a comicidade como um recurso na transmissão de mensagens cristãs. Data deste momento o aparecimento de gêneros textuais destinados à edificação dos fiéis, como os exempla, contos humorísticos curtos que deviam ser inseridos nos sermões. A ideia era valer-se do riso para execrar os comportamentos condenáveis e ridicularizar os pecadores incorrigíveis.

IHU On-Line - Em que medida o riso funcionava como uma forma de resistência?

José Rivair Macedo - A ênfase do discurso oficial cristão incidia na alma e sua necessária salvação, enquanto a comicidade e o riso enfatizavam a materialidade do corpo. Pode-se dizer que, contrariando os preceitos da renúncia, da ascese e da culpa, as manifestações de vitalidade e alegria da cultura popular medieval, sempre aberta à fantasia e evasão, ao prazer e à festividade, indica-nos que já naquele momento o riso era um veículo de expressão da liberdade.

IHU On-Line - Como podemos compreender a interdição ao riso no medievo com base na trajetória de Jesus?

José Rivair Macedo - A ideia de Cristo jamais riu, defendida por certos pensadores cristãos do início da Idade Média, como João Crisóstomo , no século V, e Jonas de Orléans, no século IX, tinha a finalidade mostrar que a renúncia aos prazeres mundanos era uma necessidade, pois segundo tais escritores o verdadeiro riso só deveria provir do gaudium, da felicidade eterna no Paraíso. Na arte religiosa oficial, inscrita na estatuária das catedrais, na iluminação dos manuscritos ou na pintura mural dos afrescos, as cenas risíveis em geral estão associadas com o demônio, que, invariavelmente, mostra-se rindo. A gargalhada, expressão do excesso, da desmesura, continuou sempre a ser um gesto com conotação demoníaca, como bem lembrava São Bernardo de Claraval em 1125 no Liber de gradibus humilitatis et superbia. Daí em diante, passa-se a admitir a possibilidade de que Cristo pudesse ter rido (porque tinha sido humano um dia), embora ninguém admitisse que tivesse feito. É o que defende o mestre em teologia Pedro Cantor em seu tratado moral intitulado Verbum abbreviatum, escrito em 1178, onde se pode ler que: “O risível ou a risibilidade é uma característica do homem, dada pela natureza. Como, então, não poderia servir-se dele? Terá, talvez, podido, mas não se lê que dele se tenha servido”.

IHU On-Line - Hoje, quais são as principais diferenças em relação à forma como o riso era encarado naquele período?

José Rivair Macedo - A modernidade consagrou a liberdade do riso, conferindo-lhe legitimidade como forma de expressão das emoções e dos sentimentos humanos. Na arte e na literatura as formas risíveis passam a ser valorizadas em gêneros específicos, como a comédia na literatura teatral, a paródia na literatura e a caricatura nas artes visuais. Ao riso está ligada a liberdade de expressão individual, e se reconhece nele um instrumento de afirmação social, cultural e mesmo política – como demonstram os estudos de Henri Bergson (O riso: ensaio sobre a significação do cômico), Sigmund Freud (Os chistes e sua relação com o inconsciente), Jean Duvignaud (Sociologia do comediante). No período medieval, o fenômeno da risibilidade era encarado sob prisma eminentemente moral, de onde sua condenação.

IHU On-Line - Nesse sentido qual é o “perigo” que há por trás do riso? Por que o riso assusta tanto o poder?

José Rivair Macedo - Num velho estudo composto em 1855 a respeito do significado da caricatura, Charles Baudelaire reconhecia no riso um caráter demoníaco, no sentido de que sua manifestação franca representava sempre uma ameaça. O riso rebaixa, denuncia, ridiculariza a seriedade do poder, a grandiloquência dos poderosos, reduzindo-os através da caricatura. Contém algo de ameaçador, de perigoso, de tentador, de satânico. Nas palavras de Baudelaire: “O sábio treme por ter rido; o sábio teme o riso assim como teme os espetáculos mundanos, a concupiscência. Ele se detém à beira do riso assim como à beira da tentação”.

IHU On-Line - Em que medida rir é uma transgressão política?

José Rivair Macedo - O riso carrega consigo certa ambiguidade, que transparece inclusive no uso político de formas ou expressões cômicas. A política é a mais séria, digna e elevada atividade humana, porque diz respeito à nossa essência enquanto seres humanos (gregários, coletivos). Certos temas, sobretudo aqueles relacionados com as opções de fé, com as minorias étnico-raciais e sexuais, por exemplo, não devem ser objetos de riso porque tal uso poderia ofender a liberdade, dignidade e integridade das pessoas envolvidas. É preciso saber sempre discernir a tênue fronteira entre a comicidade e a seriedade, sob pena de transformar o riso numa arma a serviço do proselitismo, do autoritarismo e do racismo. Mas em situações de opressão, rir pode vir a ser uma forma de expressão da liberdade de manifestação e, por conseguinte, uma forma de transgressão e de subversão da ordem estabelecida.

José Rivair de Macedo é professor no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS. Graduado em História pela Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), é doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) com a tese Tolosanos, cátaros e faidits: conflitos sociais e resistência armada no Languedoc durante a Cruzada Albigense. Obteve pós-doutorado pela Universidade Nova de Lisboa, Portugal. É autor de diversos livros, entre os quais citamos Riso, cultura e sociedade na Idade Média (Porto Alegre: EDUFRGS/Ed. da UNESP, 2000) e A mulher na Idade Média (5. ed. São Paulo: Contexto, 2002).

ATENÇÃO! – O Espaço do Riso não têm como objetivo diagnosticar ou tratar qualquer tipo de doença ou problemas físicos. Os artigos do blog são tirados da própria internet, jornais e revistas. "Eles não substituem o aconselhamento e o acompanhamento de médicos, nutricionistas, psicólogos, profissionais de educação física e outros especialistas"