Turminha do Riso, confiram este interessante artigo postado em 12/11/11 no site opovo.com.br , sob o título "O palhaço, o que é?, escrito pelo Profº de Comunicação da Unifor (Universidade de Fortaleza), Márcio Acselrad, no qual ele argumenta por que
o palhaço continua bem vivo, apesar dos tempos sombrios.
Essa todo mundo sabe. É ladrão de mulher. Mas será que ainda há espaço
no nosso mundo pós-moderno para ladrão tão simplório e inocente, para um
larápio que já se entrega quando aparece, com suas roupas largas e seu
indefectível nariz vermelho?
Desde que o homem se entende por gente, ele é capaz de rir. Há inclusive
quem diga que é justamente esta a característica que nos diferencia das demais
espécies animais. Desta forma, o riso é muito mais do que mera característica:
é um diferencial, um elemento desmistificador. Paralelamente aos cultos sérios
e reverenciais, sempre houve em todas as épocas, paródias que convertiam as
divindades em objetos de burla e blasfêmia. Assim, o riso também era cultuado e
possuía seus próprios sacerdotes. Tipos cômicos da baixa comédia grega e
romana, bufões e bobos da Idade Média, personagens da Commedia dell’Arte
italiana, o clown, o humorista, o palhaço. Em comum, todos possuem a mesma
qualidade: expor a estupidez e a gigantesca pretensão do ser humano.
Apesar da importância do riso e do humor na compreensão da essência do
humano, o pensamento ocidental preferiu excluí-lo de seu convívio,
desvalorizando-se tudo o que dissesse respeito ao jogo, à diversão e ao lúdico.
Malgrado o pouco caso que se costumava dispensar ao tema do humor e do riso,
nos últimos tempos ele vem crescendo de importância, com uma série de trabalhos
acadêmicos realizados que visam recuperar esta vertente fundamental do ser
humano, recolocando-a em seu devido lugar. Vem da filosofia, da psicanálise e
da arte um conjunto de reflexões acerca do cômico. E, já o sabemos bem, sempre
que um assunto torna-se a pauta do dia das discussões, acadêmicas ou não, isto
quer dizer problemas. Talvez pensemos tanto sobre o riso por que, de alguma
forma, nossa sociedade ande, mais do que nunca, carente de humor.
Em crise
Há quem diga que, muito pelo contrário, o humor, o riso e seu personagem
principal, o palhaço estão, como tudo o mais, em crise. O circo não tem mais,
na representação social do mundo contemporâneo, o lugar outrora ocupado. No
filme O Palhaço, de Selton Melo, de forma semelhante ao que já havia proposto o
escritor norte-americano Henry Miller em Um sorriso ao pé da escada, somos
confrontados com um ser em crise de identidade, incapaz de dar conta da
complexidade do mundo, do mundo do circo e do mundo em que o circo está
inserido bem como do papel que o palhaço pode ainda nele desempenhar.
Felizmente no fim da história nosso personagem descobre que não pode ser outra
coisa, nem que queira. Uma vez palhaço, sempre palhaço.
Adorado na antiguidade, divinizado na Grécia e depois pouco a pouco
banido do terreno do pensamento, primeiro na própria Grécia clássica,
posteriormente com a modernidade tão séria e científica, o humor hoje retorna
com toda força. E o palhaço não apenas não está em crise (continua por aí,
rindo de tudo e de todos, principalmente de si mesmo, esta sua grande lição de
humildade) como saiu do circo e foi explorar outros ambientes. Já frequenta há
algum tempo os hospitais e pretende ir em busca de outros espaços onde sua
presença encantatória se faça necessária. O palhaço está na moda,
proliferando-se como poucas vezes na história.
Está no circo, mas também no teatro, na praça, na televisão, nos sinais
de trânsito e também em empresas e até em zonas de fronteira e miséria,
desdobrando-se para tentar gerar encontros potentes e promover a comunicação.
Se lutamos o tempo inteiro para nos ajustar, o palhaço nos mostra que este
ajuste perfeito não apenas não é possível como não é mesmo desejável, não
produz felicidade. O ridículo nos faz lembrar nossos próprios erros e
fracassos, destitui as relações de seus níveis hierárquicos e nos deixa a todos
num mesmo patamar de relações. O palhaço nos lembra que somos todos mortais,
todos um tanto gauches, um tanto desajeitados.
A pedagogia, que deveria por excelência ser algo da ordem do lúdico,
tornou-se pesada e burocrática, como a gorda bibliotecária de que falava
Nietzsche, sempre se empanturrando de mais e mais informações, mas incapaz de
uma sonora gargalhada.
Recentemente pudemos por em prática este ponto de vista quando, vestidos
como palhaços, nosso grupo de estudos e pesquisa, formado por professores e
estudantes de psicologia e de comunicação, participou ativamente do Mundo
Unifor, o evento acadêmico mais importante da Universidade de Fortaleza,
propondo uma pedagogia lúdica em que o palhaço é o principal professor. O
palhaço, não duvidem, está bem vivo. Pode ter nariz vermelho ou não, pode
habitar o circo, a mídia ou a universidade. E sua mensagem de alegria, mas
também de criticidade e de humildade, está cada vez mais atual. São tempos
sombrios (aqueles em que o riso corre o risco de ser censurado, em que o bobo
pode perder a cabeça ou Rafinha Bastos perder o emprego) que produzem, em
geral, as melhores oportunidades para o riso. Chaplin, que viveu os horrores de
duas guerras mundiais, que o diga.
Marcio Acselrad é doutor em comunicação pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador do Laboratório de Estudos do Humor e do
Riso (Labgraça) na Universidade de Fortaleza (Unifor).
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