Olá pessoal, tudo bem? Fico muito contente quando leio um artigo deste, publicado no site da conceituada Veja, ratificando tudo aquilo que defendo em minhas palestras. Esta recente entrevista, publicada em 19 de abril de 2014, realizada pela Rita Loiola com o neurocientista cognitivo Scott Weems, vem ao encontro do conteúdo que apresento em minha palestras corporativas há anos. Quem já assistiu às minhas palestras sabe do que estou falando! Confiram abaixo a íntegra desta entrevista.
"O riso é tão
importante para nossa vida quanto a inteligência ou a criatividade"
Rir nos torna mais inteligentes, criativos e saudáveis, segundo o
neurocientista cognitivo Scott Weems. Nesta entrevista, ele conta como isso
acontece e explica de que maneira algumas gargalhadas revelam crenças e
preconceitos e oferecem soluções inéditas para nossos problemas
Assim que o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada
(Ipea) admitiu o erro de sua pesquisa que dizia que os
brasileiros apoiavam ataques a mulheres, a reação foi instantânea: um enxurrada
de piadas. Bastaram poucos segundos para que, no último dia 4, as redes sociais fossem invadidas por anedotas zombando da porcentagem que mostrava que 26% e não 65%
concordam com a frase "mulheres que usam roupas que mostram o corpo
merecem ser atacadas". Para o neurocientista cognitivo americano
Scott Weems, só mesmo sonoras gargalhadas seriam capazes de resolver o conflito
entre o equívoco grosseiro, as reações exaltadas, o machismo e a
realidade do episódio. O humor é única forma que nosso cérebro encontra para lidar
com diversas informações contraditórias ao mesmo tempo, segundo ele.
Em seu primeiro livro, Ha! – The Science of when
we laugh and why (Há! – A ciência de quando rimos
e por que, sem tradução em português), lançado em março nos Estados
Unidos, Weems sustenta que o riso é o resultado da longa batalha cerebral entre
emoções e pensamentos opostos. Ao chegar ao ápice da confusão, sem nenhuma
alternativa de solucioná-la, rimos. E, assim, não só reconciliamos as ideias
contrárias como enxergamos respostas.
Neste livro, o neurocientista cognitivo americano Scott Weems reuniu sua experiência de doze anos em estudos do cérebro a dezenas de estudos sobre o humor. O autor mostra que a risada é a forma de nosso organismo lidar com informações contraditórias e buscar respostas, além de explicar que o bom-humor é a chave para sermos criativos e alcançarmos pensamentos sofisticados.
"As pessoas contam piadas há milhares de anos para lidar com desafios e conflitos", diz o pesquisador da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, que estuda o funcionamento do cérebro há doze anos. "O humor revela muito sobre nossa humanidade, sobre como pensamos, sentimos e nos relacionamos com o próximo."
Analisando
a piada — Em suas pesquisas, Weems descobriu que o humor é o segredo
de pessoas inteligentes e criativas para suas associações rápidas
e inesperadas. No livro, reúne suas conclusões a outros estudos e
traça um mapa que busca compreender o papel das risadas em nossa vida.
Começa mostrando como a dopamina, o neurotransmissor ligado ao prazer e o
responsável pela alegria, nos fez o que somos: seres em busca de emoção e de
novas maneiras de melhorar a vida. Rindo, se possível.
Ao longo do livro, o pesquisador demonstra como o humor dá
novas perspectivas às experiências vividas e revela aspectos sutis da realidade
que, de outra forma, permaneceriam escondidos. "Suspeito que o humor nunca
tenha sido respeitado. E isso é uma vergonha", afirma o cientista. Nesta
entrevista ao site de VEJA, Weems explica por que não levamos o humor a sério e
conta como piadas e anedotas são a chave para atingir pensamentos sofisticados
e nos tornar mais saudáveis e criativos.
Por
que costumamos explodir em risadas frente a situações constrangedoras? Nossa mente
transforma ambiguidade e confusão em prazer. O cérebro é lugar cheio de conexões
e ideias competindo por atenção. Isso nos leva a raciocinar, mas também traz
conflito, pois às vezes temos duas ou mais ideias inconsistentes sobre o mesmo
assunto. Quando isso acontece, nosso cérebro só tem uma coisa a fazer: rir.
E
isso resolve alguma coisa? Gostamos de trabalhar em meio a essa
confusão e rimos quando chegamos a uma solução. O humor traz
respostas súbitas, que chegam por vias diferentes do pensamento lógico e
analítico. Cada vez que rimos de uma piada é como se tivéssemos um pequeno
insight, pois pensamos algo inédito. E isso só dá certo porque o processo
nos alegra — uma mente entediada é uma mente sem humor.
Isso
quer dizer que pessoas que gostam de respostas prontas são as mais
mal-humoradas? Sim. Há uma forte relação entre ser curioso, gostar de se
aventurar intelectualmente e ser bem-humorado. Se alguém quer explicar um
ponto, conta uma história. Mas, se o objetivo é explicar mais de um ponto ao
mesmo tempo, o ideal é contar uma anedota. Ter humor é olhar as coisas de
uma maneira mais profunda. Pessoas com senso de
humor fazem associações inesperadas muito rapidamente.
Mas
rir frente a situações difíceis ou problemas não significa fugir
deles? O humor nos leva a lugares emocionais e cognitivos novos. Mas isso
não quer dizer que ele afaste as dificuldades ou sentimentos como raiva,
revolta ou tristeza — ao contrário, ativa-os, junto a emoções positivas. Um
estudo feito na Universidade da Califórnia mostrou que experimentamos várias
emoções ao mesmo tempo. Rir ou contar piadas nos ajuda a expressar todos
esses sentimentos misturados e a lidar com eles.
Ou
seja, anedotas sobre tragédias como o 11 de setembro nos ajudam a
superá-las? Logo após o ataque ao World Trade Center apareceram muitas
piadas sobre a catástrofe. Lembro-me de uma delas com um gorila segurando
aviões perto das torres gêmeas com a mensagem: onde estava o King Kong quando
precisamos dele? Essas piadas mostravam raiva, claro, mas também frustração e
até irreverência. Elas não tiravam sarro dos terroristas, mas, sim do processo
de luto — lembro que o país suspendeu todos os programas de humor por dezoito
dias até que, enfim, o programa Saturday Night Live foi
ao ar. Rir nos conecta a outras pessoas para dividir nossas lutas,
temores e confusões.
Então
piadas como as de humor negro fazem bem para a saúde? Esse tipo de
humor nos torna mais saudáveis porque nos ajuda a lidar com deficiências,
situações violentas ou macabras. Alivia e é divertido ao mesmo tempo em que é
horrível. O humor é capaz de expressar nossas crenças mais assustadoras de
uma maneira muito direta — e não estamos acostumados a isso.
Em
outras palavras, piadas sexistas, sobre negros ou deficientes apenas ampliam
preconceitos? Essa questão é muito importante. Anedotas preconceituosas dão voz a
nossas crenças, sejam elas latentes ou escancaradas. Uma pessoa sexista só terá
seus preconceitos ampliados por essas piadas enquanto alguém que não adota
essas crenças terá mais convicção contra o preconceito. O humor, porém,
sempre veicula mensagens múltiplas. Tudo depende da intenção.
Como
assim? Alguém que não é machista pode contar uma piada machista com a intenção
de caçoar dos homens machistas, não das mulheres. Ou um machista pode contar
essa mesma piada com a simples intenção de ofender as mulheres.
E
onde está a diferença? Na intenção e no alvo. Se o propósito é
ofender, não há nada de engraçado nisso. Mas se o esquete é mais denso — como
acontece quando o comediante negro Chris Rock satiriza o racismo — então
devemos olhar essas anedotas em um nível mais profundo, porque sua intenção não
é insultar e, sim, educar.
Você
afirma, no entanto, que piadas ofensivas podem ter o propósito social de adiar
a violência. Quando escrevi isso, quis dizer que elas adiam a violência física. Mas
elas podem ser uma violência emocional. Não acredito que bullying ou ofensas
sejam piadas. Apesar de serem atitudes próximas, creio que o humor seja,
essencialmente, a maneira de nosso cérebro lidar com conflito. Atitudes
ofensivas não trazem nenhum conflito interno.
Isso
quer dizer que piadas ofensivas dizem mais sobre quem as conta do que sobre
seus alvos? Certamente! Todo país tem seus alvos favoritos. Nos Estados
Unidos, temos uma famosa: ‘por que os homens italianos usam bigodes? Para ficar
parecidos com suas mães’.
O
humor deve ser levado a sério? Levado a sério e respeitado.
Surpreendentemente, durante grande parte da nossa história, o humor foi
impopular. Platão [filósofo grego que viveu entre 428 a 348 a. C.] baniu o
humor de sua República, dizendo que ele distraía o povo de assuntos mais
sérios. Já Tomas Hobbes [filósofo inglês que viveu no século XVI] alegava que
rir era uma parte necessária da vida, mas somente para pessoas de inteligência
inferior. O problema é que há uma grande diferença entre algo sério e algo
solene. É possível ser bem-humorado e sério, mas o humor é o oposto da
solenidade — e, por isso, assumimos que ele não pode ser levado a sério. Acredito que esse é o motivo pelo qual
ele demorou tanto a ser respeitado — o humor só se tornou um tópico
científico em 1988, com a formação da Sociedade Internacional dos Estudos do
Humor, nos Estados Unidos.
Foi
aí que descobrimos que ele é fundamental? A área cerebral
responsável pelo humor faz parte do sistema límbico, que regula emoções
primordiais como medo ou raiva. São sentimentos essenciais para a
sobrevivência. Rir é tão importante para nossa vida quanto a inteligência
ou a criatividade. O humor evoluiu e se tornou o que é hoje porque,
provavelmente, em algumas situações, se não pudéssemos rir, teríamos entrado em
conflito ou morrido. Dar risada é parte fundamental do que
somos.
Em
um dos capítulos de seu livro, você comenta um estudo que diz que pessoas muito
religiosas têm pouco senso de humor, talvez porque a religião seja um meio de
diminuir conflitos. Há algum grupo que seja o mais sem graça de todos? Sem graça eu
não sei, mas o psicólogo britânico Richard Wiseman tem um estudo fascinante em
que mostrou diversas piadas a pessoas de diferentes nacionalidades, e os
alemães riram de quase todas. Imagino que eles tenham um talento especial para
extrair graça mesmo de coisas que não tenham humor algum.
Estudos
demonstram que animais como ratos e chimpanzés podem rir. O
propósito do humor animal é o mesmo dos humanos? Animais riem e têm
humor. Seria muito antropocentrismo acreditar que só nós temos humor, sendo
compartilhamos com outros animais as mesmas regiões cerebrais. Se
rir é um processo para lidar com conflitos e confusões, então ele
está em todas as criaturas que possuem cérebro.
O Brasil, assim como
os Estados Unidos, viu
vários comediantes serem criticados ou processados por suas piadas. Será que o
humor como conhecemos vai acabar? Acho que ele está profundamente
ferido, mas não diria que está morto. O humor é muito ligado às mudanças
sociais e se transforma com elas. Nos anos 1980, quando tudo era exagerado —
empresários queriam sempre mais dinheiro, mais trabalho — o humor também se
tornou muito forte. Comediantes como Eddie Murphy ou Robin Williams não eram
nada sutis. Esse tipo de graça não faz mais sucesso hoje, porque valorizamos
mais a honestidade e a falta de pretensão. Atualmente, os atores pararam
de contar anedotas simples para incluir narrativas e detalhes pessoais em
seus esquetes. O humor dos próximos anos vai depender da evolução da
sociedade.