Pessoas risonhas, tudo bem? Trago para vocês este interessante artigo postado no Diário de Cuiabá, em 19/abril pela CHRISTIANE BATISTA que é bacharel em Direito e acadêmica de Letras na UFMT. O título da matéria é "SERIA CÔMICO, SE NÃO FOSSE TRÁGICO":
A movimentação judicial fomentada por humoristas independentes e programas humorísticos da televisão brasileira nos tribunais atualmente não tem precedentes. O riso está se transformando em prejuízo, a cada dia com mais recorrência.
A TV Globo foi condenada a pagar danos a um técnico que apareceu na Pegadinha do Consumidor, principalmente porque o programa não utilizou os recursos para distorcer a voz ou ocultar a sua imagem.
O grupo de comédia Os Melhores Do Mundo já teve suas contas congeladas pela justiça por conta de piadas disparadas contra instituição de ensino local, num show em Aracaju.
A cantora Wanessa Camargo, em processo de danos contra Rafinha Bastos, teve seu pedido julgado procedente. No episódio, o então futuro réu disse em rede nacional, na bancada do CQC, que ‘comeria’ a mãe e o bebê, em referência às imagens da cantora grávida. E ele mesmo é autor da assertiva torpe que ‘estuprador de mulher feia merece um abraço ao invés de ir preso’, entre outras pérolas.
E para você que ainda não conhece, existe o ‘Proibidão’, um show no qual assina-se um termo declaratório anterior à entrada para evitar processos por causa das piadas.
Resta agora delimitar se vale tudo, se vale qualquer coisa, do ofensivo ao escatológico, para tentar fazer rir. A busca pela gargalhada então é a luta pelo domínio e pela atenção do público, deliberadamente “Custe o Que Custar”, o limite é só ser engraçado. Ou pensar que está sendo. No Zorra Total afirma-se que ‘a mulher feia não pode reclamar quando é assediada no trem’. Aqui, a piada é ofuscada por outros sentimentos, como repugnância ou asco.
Os mais agressivos da atualidade gostam de colocar como censura o adequado limite desejável, antes que se atinja o humor abjeto. Mesmo entre os que não querem limites, o próprio remédio é amargo. Recentemente, em gravação amadora vazada do “Agora é Tarde”, Marcelo Mansfield reage mal diante da ‘piada’ sobre sua barriga, disparada pelo colega Léo Lins, gritando, xingando e deixando o estúdio. Ficou feia a dissensão interna e diligenciou-se transfigurar para a pegadinha, sem sucesso. Lembro ainda a recente entrevista à jornalista Marília Gabriela, onde o abraçador de estupradores Rafinha Bastos chora ao falar do próprio pai. Vamos então, usando sua filosofia CQC, conceber aqui uma piada vil usando seus problemas pessoais com este senhor? Não, eu passo. Está claro nos dois casos que os brutos também amam.
A expressão do humor representa sua época. A Antiga Comédia, séculos antes de Cristo, era repleta de críticas mordazes à política e à sociedade. O humor, afinal de contas, é uma forma de arte extremamente consciente. O bobo da corte, aquele ‘funcionário’ da monarquia encarregado de entreter o rei e rainha e fazê-los rirem, muitas vezes era a única pessoa que podia criticar o rei sem correr riscos. Estou certa de que até o bobo sabia muito bem fazer isso, por amor ao próprio pescoço.
Fazer rir é mais difícil que fazer chorar. Fazer rir é fazer pensar e talvez por essa dificuldade é que ultimamente haja tanta apelação. Para fazer pensar é preciso pensar antes - e pensar bem. E para rir de uma piada é preciso entendê-la e para entendê-la, é preciso pensar. Este loop exige cultura, intelecto, saber, opinião. Provavelmente, na atual pandemia de autodesignados humoristas estas virtudes estejam minguadas. Bem como no público que aceita o que vem deles.
Fazer rir por rir, sem pensar, pode até acontecer, mas é dote natural em poucos. Dercy Gonçalves, José de Vasconcelos e Costinha, caricatos de per si, foram assim. Muitos deles, hoje, já provaram que são capazes de alcançar o sucesso sem aderir a essa forma de fazer humor a qualquer preço. Humor oportunista, preconceituoso, que se vale dos estereótipos pra fazer graça está por fora. Bom é a gente rir muito e no final do riso sobrar algo na cachola, herdar uma reflexão. Lendo Millôr, é assim:
“Não devemos resistir às tentações: elas podem não voltar” ou “Viva o Brasil, onde o ano inteiro, é primeiro de abril”.