Olá Turma do Riso, tudo certinho? Hoje compartilho com todos vocês um artigo escrito pelo Anselmo Borges no final do mês passado (31/jan/2015) sobre "O riso e a transcendência", veículado no site português DN Opinião. Confiram abaixo na íntegra:
1. Uma vez, uma jovem estudante pediu-me para fazer um
trabalho sobre o riso. Porquê? Queria entender porque é que a mãe, entrando na
igreja para a celebração da missa de corpo presente da avó, ao deparar-se com o
cadáver, começou a rir.
Diferença essencial entre o ser humano e os outros animais é
o riso e o sorriso. Eles são manifestação da inteligência superior e de
transcendência.
Perante o cadáver, seja ele de quem for, mas sobretudo de um
ente próximo e querido, íntimo, há um choque de emoção e razão, sobrepondo-se a
razão. De um modo ou outro, acabamos por nos rever no cadáver, a nossa posição
futura está ali, desabando então, frente àquela figura coisificada, toda a
vaidade e todo o ridículo da soberba e grandeza imaginada, que vão ser pó ou
cinza. E aí está a tensão que obriga a transcender. Por outro lado, antes
ainda, depois ou em concomitância, está aí a revolta: a minha mãe não foi nem é
esta coisa cadavérica aí em frente. No limite do trágico, sobrevém o riso,
clamando transcendência. É a explosão do conflito entre o intolerável do que se
mostra e uma transcendência para que se aponta.
2. Afinal, nós não rimos tanto com o engraçado, o que
aparentemente tem graça, como com o imensamente sério ou o que consideramos
tal. Uma vez, na Alemanha, ofereceram-me um livro de anedotas e pude constatar
que a maior parte delas têm algo de universal e dizem respeito ao sexo, à
morte, à política, à religião, ao Além.
A quem se escandaliza muito com o pôr a nu o ridículo da
religião chamo a atenção, por exemplo, para A Relíquia, de Eça de Queirós, que
recentemente prefaciei. Anda o rapaz na Terra Santa a gozar a vida e ao mesmo
tempo a arrecadar relíquias: uma palhinha do presépio, uma tabuinha aplainada
por S. José, caroços de azeitonas do monte das Oliveiras, pedacinhos da arca de
Noé... E como não explodir de riso quando, na expectativa da recompensa pela
relíquia da coroa de espinhos, percebe que se enganou, pois, desdobrando o
embrulho, apareceu uma brancura de linho, que a titi repuxou, espalhando-se,
com laços e rendas, a camisinha de dormir da Mary a feder a pecado... Na
altura, foi terrível a crítica dos crentes quando o que era preciso era
assumir, em riso, a vergonha do ridículo da superstição religiosa e da
hipocrisia, que Eça acidamente expunha.
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