Pessoal, esta matéria escrita por Carlos Caroni, foi publicada no Jornal do Brasil em comemoração ao Dia das Crianças (12/10) sob o título "Doutores Palhaços" levam alegria a crianças internadas no Rio de Janeiro, para apresentar o trabalho do Grupo Roda Gigante que arranca risadas e ajuda no tratamento de pequenos em hospitais da rede pública. Confiram esta excelente matéria:
A partir do momento em que meninos e meninas são obrigados a deixar as brincadeiras de lado e passam a conviver com a dura rotina hospitalar, pílulas de bom humor aliadas a grandes doses de gargalhadas podem se transformar no melhor dos remédios. É com essa filosofia que os integrantes do Roda Gigante percorrem hospitais da rede pública do Rio de Janeiro promovendo interações artísticas para amenizar o dia a dia dos pequenos. E se você, por acaso, ainda pensa que tudo isso não passa de bobagem, saiba que está muito enganado. É um "novo ramo da medicina", a "palhaçaria", aplicada em sua forma mais eficaz.
A inspiração para a iniciativa surgiu em 1986, quando o palhaço e diretor do Big Apple Circus de Nova York, Michael Christensen, decidiu visitar as crianças que não puderam assistir a uma apresentação que acabara de fazer em um hospital da cidade. Do evento nasceu a trupe especializada "Clown Care Unit", onde se formaram muitos dos artistas responsáveis por espalhar o projeto pelo mundo. Hoje, o movimento - introduzido no Brasil pelo fundador do Doutores da Alegria, Wellington Nogueira - ganhou tamanha proporção que será tema de um congresso internacional em Israel ainda este mês.
E apontar o porquê de tanto sucesso não é nem um pouco complicado. A expressão de felicidade no rosto dos jovens, que são capazes de distribuir sinceros e generosos sorrisos em meio a tantas dificuldades, é suficiente para amolecer o mais insensível dos corações. Trabalho gratificante para aqueles que, como atores, descobriram na arte de satirizar a vida uma possibilidade de construir um mundo melhor.
"É uma satisfação enorme, um prazer indescritível. A vida do palhaço é a busca por encontros. Mesmo que às vezes estas interações sejam bastante sutis, conseguimos perceber que crianças com o estado de saúde bastante debilitado responderam de alguma forma. Queremos isso. Criar um espaço de brincadeira e resgatar o lado saudável dos que, naquele momento, estão doentes", resume Flávia Reis, coordenadora artística do Roda Gigante e intérprete da divertida Doutora Nena.
As visitas às unidades de saúde ocorrem duas vezes por semana, durante quatro horas, sempre com a mesma dupla de palhaços. Flávia afirma que isto possibilita a criação de um vínculo com os doentes e com as equipes dos hospitais, que também são alvo da atenção do grupo. Além de tentar ajudar médicos e enfermeiras a lidarem melhor com a forte carga emocional a que são submetidos, os artistas promovem atividades para tentar estimular uma relação mais humana entre os profissionais e seus pacientes.
"O laço entre todos os envolvidos no projeto é muito grande. Lembro-me com carinho de uma antiga paciente nossa que ficou muito tempo internada em um CTI. Criamos uma espécie de história em capítulos e a cada visita contávamos o desenrolar da trama. Às vezes ela respondia, às vezes não, mas continuávamos. Um dia pensamos que ela estava indo embora e, então, achamos que seria melhor parar. Mas pouco tempo depois a enfermeira nos entregou uma carta, escrita pela menina, pedindo para que voltássemos. Foi incrível. Ela teve alta, saiu do hospital e até hoje nos falamos", conta.
E a experiência bem-sucedida possibilitou ao Roda Gigante alçar voos ainda maiores. Hoje, com a colaboração de Organizações Não-Governamentais e de parceiros como o SESC Rio, os doutores palhaços realizam espetáculos teatrais e oficinas para jovens que moram no entorno dos hospitais onde atuam. Segundo Flávia, em breve, o grupo se apresentará em algumas comunidades onde foram implantadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).
"Trabalhamos com os conceitos que estão por trás da atuação de palhaço. Estimulamos os jovens a exercitar o olhar, o escutar e a questão do corpo no espaço. São brincadeiras e jogos que têm como objetivo fazê-los compreenderem a saúde não só como a ausência da doença, mas como a possibilidade de refletirem sobre suas vidas e suas escolhas", explica.
Certeza de um caminho
No ar como a personagem Lourdes na novela 'Fina Estampa', da Rede Globo, e prestes a estrear uma adaptação para teatro do documentário 'Estamira', de Marcos Prado, a premiada atriz Dani Barros lembra com saudade dos tempos em que fazia parte da trupe. Ex-componente do Roda Gigante e, assim como Flávia Reis, uma das palhaças-fundadoras do núcleo carioca do 'Doutores da Alegria', Dani diz que foi no tempo em que encarnou a Dra. Leonoura que teve certeza de que havia escolhido a profissão correta.
"As crianças esperavam ansiosas pelas nossas visitas e eu passei a ter a real noção da importância que a arte tinha na vida das pessoas, dos seus desdobramentos fora do palco. Sabia que estava contribuindo com a sociedade. Pude acompanhar o desenvolvimento de muitas delas, e, de certa forma, me tornar um pequeno pedaço de suas famílias", conta.
Em meio a tantas histórias, Dani revela que chegou a encontrar certa resistência por parte de alguns que achavam que o hospital não era lugar de palhaçada. Mas isso não a abatia. Só a motivava a trabalhar ainda mais para convencê-los de que estava ali "para ajudar a humanizar um local muitas vezes degradado por causa de políticas de saúde pública ineficientes". Por isso, guarda um episódio que aconteceu com uma médica como um dos que mais marcaram a sua vida.
"Entramos em um CTI no dia em que uma criança faleceu. Fomos falar com os intensivistas e, pelo vidro, podíamos ver a mãe fazendo carinho em seu corpo. Aquela mulher não sabia, mas havia viajado de trem com o filho já morto em seus braços. Eu chorei muito e a minha parceira , é claro, também ficou bastante abalada. Então, uma das médicas nos levou para uma salinha e começou a conversar conosco para tentar melhorar nosso estado de ânimo. E deu certo. Depois de algum tempo, conseguiu arrancar uma risada nossa. Naquela hora, ela se transformou em palhaça e nós em pacientes", recorda.
Risadas e mais risadas
A alegria proporcionada pelo trabalho do Roda Gigante pôde ser testemunhada de perto pela equipe do 'Jornal do Brasil', nesta terça-feira, quando os doutores Provisório (Kadu Garcia) e Shei-Lá (Júlia Schaeffer) foram ao Hospital Universitário Pedro Ernesto, em Vila Isabel, Zona Norte do Rio de Janeiro.
A copeira Marília Alice Ismael, 43, mãe de Gabriela, de 11 anos, contou que a filha costuma aguardar a visita dos "doutores palhaços" com grande expectativa. Segundo ela, ao ser informada durante a manhã de que a dupla estava prestes a chegar, a menina, prostrada até então, mudou de postura imediatamente.
"A Alice estava bastante chateada, não queria nem sair da cama. Mas foi só ficar sabendo dos palhaços que logo se animou. Sei que, assim como das outras vezes, ela irá conversar com os irmãos e com os amigos sobre as brincadeiras. E eu pergunto: que pai não gosta de ver seus filhos felizes? É sempre assim, comovente. É um momento de reflexão, em que somos cercados por sorrisos puros", relata.
E se Marília fala em sorrisos, certamente um dos que mais se destacava era o do menino Hélton dos Santos, de 5 anos. Sem largar em nenhum momento o seu laptop de brinquedo, o filho da doméstica Alice dos Santos, 51, gargalhava a cada movimento dos palhaços. Rubro-negro de coração e futuro camisa 10 do clube da Gávea, segundo o próprio, Hélton disse ter adorado a apresentação, exceto por um detalhe:
"Gostei muito, principalmente da Shei-Lá. Mas o Provisório é feio", falou, convicto.
Roda Gigante é um grande aliado, diz médica
Embora afirme ainda não ser possível avaliar quantitativamente os efeitos do trabalho do Roda Gigante na recuperação dos pacientes, a médica e coordenadora de desenvolvimento acadêmico do HUPE, Denise Herdy, diz que o tempo médio de internação na unidade, assim como o número de complicações durante o período de recuperação, diminuiu após o início da atuação dos "doutores palhaços". Segundo ela, a resistência dos pequenos aos remédios também passou a ser menor.
“A rotina da instituição muda completamente. Como as visitas ocorrem sempre no mesmo dia da semana, as crianças se vestem com uma roupa diferente, tomam banho, se preparam para receber os palhaços. E esse ânimo nos ajuda no tratamento. Geralmente conseguimos administrar as medicações e realizar os exames com mais facilidade”, conta.
Denise diz ainda que além do trabalho direto com os menores, os integrantes do Roda Gigante exercem papel fundamental ao auxiliar médicos e enfermeiros a lidarem melhor com questões inerentes ao exercício das profissões, como a dificuldade de aceitação da perda, por exemplo. Essa capacidade fez com que a trupe fosse convidada a promover oficinas em um curso de extensão pedagógica para a formação de preceptores (profissionais responsáveis pela orientação dos médicos residentes). Nas aulas são abordados aspectos como a sensibilidade e o relacionamento interpessoal.
"As dinâmicas que os atores desenvolvem para aprimorar suas técnicas também nos são úteis no que diz respeito às relações com pacientes e com os próprios colegas de equipe. A prática mostrou-se capaz de restabelecer parâmetros como a percepção, emoção e sensibilidade, e de contribuir para a resolução de problemas em grupo. Todos valores essenciais para o bom exercício da medicina", conclui.
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